segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Texto 1

Assim, de repente, não sei a quem escrever. Como se, de repente, não houvesse destinatário; como se as coisas supérfluas fossem mais importantes do que as essenciais. Parece-me, hoje, que o meu mundo é o daqueles que os velhinhos diziam. O mundo do não presta. O mundo do sem sentido. Mas eu sinto-me plenamente viva e, porque vivo, recordo.
Talvez o karma seja o que nós interpretamos para nós como o “algum sentido nisto”. Talvez o karma exista acima das definições religiosas, seja uma espécie de definição do barro. O meu molde pode estar ligado ao entendimento da morte ou à aceitação da solidão.
Não gosto muito de pôr as coisas em termos pessoais. Assim sendo, parece-me que faço o canto do choro; o muro das lágrimas. Quando nos centramos em nós, damos muita importância a nós. Ficamos as vítimas. Ficamos acompanhados de espetadores que observam o quanto miseráveis somos ou nos queremos fazer parecer, pedindo dó e piedade. E não é isso que quero. Só quero um destinatário. Alguém que me ouça, calado. Ou que me leia, através das linhas, ou da minha cara. A minha cor mais amarela, do cansaço, farta de dizer à vida que não me apresente mais a morte ou a esterilidade.
Morte e tio dionísio. 
Morte e bisavó Ludovina. 
Morte e primo Manuel. 
Morte e pai. 
Morte e primo José.
 Morte e primo António. 
Morte e tio José. 
Morte e tio Manuel.  
Morte e avô Ernesto. 
Morte e avó Armanda. 
Morte e avô Artur. 
Morte e mãe, mãe, mãe, mãe, mãe, mãe, mãe, mãe, mãe, mãe, mãe, mãe, mãe, mãe, mãe, mãe, mãe, mãe, mãe, mãe, mãe, mãe, mãe, mãe, mãe, mãe, mãe, mãe, mãe, mãe, mãe, mãe, mãe, mãe, mãe, mãe, mãe, mãe, mãe, mãe, mãe, mãe, mãe, mãe, mãe, mãe, mãe, mãe, mãe, mãe, mãe, mãe, mãe, mãe, mãe, mãe, mãe, mãe, mãe, mãe, mãe, mãe, mãe, mãe, mãe, mãe, mãe, mãe, mãe, mãe, mãe, mãe, mãe, mãe, mãe, mãe, mãe, mãe, mãe, mãe, mãe, mãe, mãe, mãe, mãe, mãe, mãe, mãe, mãe, mãe, mãe, mãe, mãe, mãe, mãe, mãe, mãe, mãe, mãe, mãe, mãe, mãe, mãe, mãe, mãe, mãe, mãe, mãe, mãe, mãe, mãe, mãe, mãe, mãe, mãe, mãe, mãe, mãe, mãe, mãe, mãe, mãe, mãe, mãe, mãe, mãe e mãe.
Ouves-me? Mesmo que sim, não me interessa. Não me respondes.
Estou sozinha.
Espero que me ouças.